• Covid-19. O medo também é viral

    Publicado em 14.04.2020 às 08:03

    Quase mês e meio após o registo oficial dos primeiros casos de SARS-Cov-2 em Portugal – e duas semanas de estado de emergência -, os cidadãos vivem uma espécie de sonambulismo social, numa mescla entre medos e espasmos de liberdade. Ansiedades normais que surgem em tempos de crise.Como os controlar estes sentimentos? Serão eles um meio de defesa subconsciente ou um estado emocional prejudicial?
    Américo Baptista, licenciado em Psicologia pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada e doutorado em Ciências Biomédicas pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto, trabalha há muito com estes temas e, em conversa com a RTP, afirma que o medo é uma função cognitiva perfeitamente natural, que se pode manifestar em qualquer altura, só que pode ser potenciado por algo perigoso e que não se vê, como é o caso do coronavírus responsável pela Covid-19.
    “Nós habitualmente temos medo de cães, de gatos, de animais de uma serie de coisas, mas podemos os evitar. O problema desta situação é que na verdade a ameaça é invisível. E portanto temos muito mais medo”, refere o psicólogo
    Mas o que é na verdade o medo? O medo é uma sensação que está ligada a um estado em que o organismo se coloca em alerta, diante de algo que acredita ser uma ameaça.
    “O medo é aquilo que penso, é aquilo que eu faço, é aquilo que eu sinto”, diz o professor Américo Baptista.
    Estados emotivos que podem e devem ser ultrapassados, com ou sem ajudas externas, e que nos colocam novamente numa posição de equilíbrio emocional e nos trazem à razão, atuando da melhor forma perante as adversidades e perigos, mesmo os invisíveis.

    O medo, na maioria das pessoas, gera ansiedade e algum descontrolo. 

    Estará a população portuguesa a conseguir controlar os seus medos, num período em que as ordens são para ficar em casa? Américo Baptista, também em confinamento, olha para o mundo exterior pela comunicação social e o seu sentimento é o de que “Portugal está a lidar com as coisas de um modo aceitável”.
    O professor sublinha, contudo, que para um conjunto de pessoas de natureza psicológica mais instável essas reações não estão controladas. Indivíduos que antes desta crise já apresentavam sintomas de maior ansiedade e pânico em que “provavelmente as reações [de medo] serão muito maiores e injustificadas“.
    Os media na criação de (in)segurança 
    Acordamos para mais um dia e abrimos as janelas. Ao ver o Sol, ainda com os olhos meio despertos pensamos: “Que dia bonito.”
    Mas ao ligarmos a televisão ou o rádio, as notícias empurram-nos para uma outra realidade, mais cinzenta, em que os temas convergem para um único ponto, a pandemia do novo coronavírus.
    Mesmo sabendo que as ordens são para ficar em casa, por motivos de segurança sanitária, as notícias provenientes da comunicação social ou difundidas pelas redes sociais, muitas destas de credibilidade dúbia, transmitem um sentimento de perda e de insegurança, por mais positivas que sejam.
    O psicólogo Américo Baptista explica à RTP que os jornalistas têm um papel social e fundamental e não é pelo medo que se consegue que as pessoas se tornem mais previdentes ou seguras,
    “O medo simplesmente vai fazer com que as pessoas fiquem mais retraídas. Não é pelo medo que nós vamos fazer com que a população tenha uma reação exagerada a esta pandemia. Não é pelas emoções negativas, pois elas estreitam o nosso pensamento”, diz.
    O professor da Universidade Lusófona afirma mesmo não ter dúvidas de que depois desta crise “vão surgir muitos casos de ansiedade, depressão, stress e dependências, e em força”.

    O medo também é viral 
    “O ser humano não é escravo das emoções”. Algo que parece fácil de dizer e muito difícil de concretizar. Mas a solução, explica o psicólogo Américo Batista, está na forma como decidimos as ações e atitudes a adotar.
    O psicólogo dá um exemplo muito simples: “Se eu, em casa, mostrar uma expressão de muito assustado, eu transmito estes medos à minha família e aos meus filhos. Algo que não devemos fazer”.
    O especialista em questões ligadas ao medo refere que as crianças são aquelas que mais sentem e rececionam as atitudes e acções dos mais velhos, chegando mesmo e de forma inata a sentir o medo transmitido por feromonas emanadas pelos adultos, rececionadas pelo olfacto. O que dá lugar a ansiedade.

    E mesmo que tenha muita vontade de sair a rua, desculpando-se com o tradicional “passeio higiénico”, o psicólogo Américo Baptista aconselha-o a não o fazer. 

    “Nós devemos regular os nossos passeios higiénicos pelas instruções da Direção-Geral da Saúde e, se a DGS desaconselha, eu acho muito bem e não é ser alarmista”.
    Mesmo sabendo que um pouco de ar faz bem ao corpo e ao espírito, o psicólogo Américo Baptista explica que essa receita funciona em tempos normais. Mas com um surto epidémico no ar curar a mente e o medo nas ruas pode mesmo ser “pior a emenda que o soneto”.

    Fonte: RTP, EMISSORA PÚBLICA DE PORTUGAL