Quais os danos provocados pela Covid-19 nos pulmões?
Nos casos mais graves de infeção por Covid-19, a gripe comum evolui para uma infeção respiratória grave como pneumonia. Em entrevista à RTP, a pneumologista Marta Drummond explicou que “o dano pulmonar em alguns doentes é muito marcado” e existe uma grande probabilidade de os pulmões não recuperarem totalmente e ficarem com sequelas. O conhecimento ainda é escasso sobre este novo coronavírus que surgiu na China no final de 2019. No entanto, sabemos da gravidade deste vírus e as consequências no corpo humano estão a ser, aos poucos, compreendidas.
A infeção por Covid-19 acontece através das vias respiratórias – nariz e boca – onde, por sua vez, se multiplica. Os sintomas são maioritariamente respiratórios, sobretudo tosse e falta de ar, mas também febre. Nos casos mais graves, o vírus pode ainda evoluir para pneumonia.
A lesão pulmonar é a consequência mais grave deste vírus, o que leva os doentes a necessitarem de cuidados intensivos e de suportes de ventilação. Por sua vez, uma grande parte da mortalidade derivada da Covid-19 está relacionada com a insuficiência respiratória aguda devida às lesões pulmonares.
Mas em que medida se distinguem estas pneumonias provocadas pela Covid-19? “São bastante mais graves do que as pneumonias ditas comuns”, respondeu Marta Drummond, pneumologista no Hospital de São João, no Porto, e professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
Tal como explicou a especialista à RTP, as pneumonias derivadas do novo coronavírus são “agressivas” e em regra bilaterais e multifocais, quando a grande maioria destas doenças inflamatórias dos pulmões são unifocais. Isto significa que a pneumonia por Covid-19 afeta várias partes dos dois pulmões e não possui apenas um foco.
“Esses focos vão alargando, aumentando a sua área e confluem, formando pneumonias graves, que às vezes até evoluem para destruição do parênquima pulmonar”, especificou Marta Drummond.
Com que rapidez se desenvolve?
Na generalidade dos casos, apenas no final da segunda semana de infeção é que começa a surgir dano pulmonar. Através da observação dos primeiros casos em Wuhan, chegou-se à conclusão de que a pneumonia evolui em cerca de três semanas, “sempre no sentido do agravamento”.
“Obviamente, nas três semanas há uma capacidade de o próprio sistema imunitário resolver esta infeção e o doente recuperar. Caso contrário, há aquele índice de mortalidade que conhecemos”, esclareceu Drummond. Em Portugal, a taxa de letalidade é de 3,6 por cento. Na vizinha Espanha é de 10,4 e em Itália de 13,3 por cento. Em todo o mundo, esta taxa fixa-se nos 6,9 por cento.
No entanto, o nível de gravidade difere de pessoa para pessoa. Já foi possível concluir que o comportamento da Covid-19 varia, mas esta é uma das questões para as quais ainda não se consegue resposta na totalidade.
Até ao momento, sabe-se que a idade avançada e doenças crónicas no geral, como a diabetes ou DPOC (doença pulmonar obstrutiva crónica), são alguns fatores de risco que conduzem o doente a uma evolução menos favorável da infeção à Covid-19.
“Por outro lado, ainda existem patologias que não sabemos se são ou não fatores de risco”, declarou a especialista em pneumologia. “Por exemplo, no caso dos asmáticos, o que sabemos é que os que estão bem controlados, em regra não têm tido desfechos piores do que os não asmáticos”, explicou.
E os fumadores? Nestes casos, ainda não existem dados consistentes que permitam dar uma resposta, apesar de diferentes estudos concluírem que os fumadores correm um maior risco de infeção.
Marta Drummond também defende a probabilidade de os fumadores se incluírem nos grupos de risco, dado que o tabaco diminui as defesas locais a nível pulmonar. “O que nós sabemos é que os fumadores têm muito mais infeções respiratórias do que os não fumadores”, ressalvou a professora da FMUP.
A pneumologista sublinha que uma grande percentagem dos doentes infetados por Covid-19 é fumadora e que nas restantes doenças respiratórias, em regra, os fumadores apresentam piores prognósticos.
Covid-19 deixa sequelas
A Covid-19 não só agrava as doenças pré-existentes, como desenvolve novas enfermidades pulmonares em doentes que até ao momento eram saudáveis. Isto porque a Covid-19 deixa sequelas, não só nos pulmões, como também no coração, rins, fígado e cérebro. “O dano pulmonar em alguns doentes é muito marcado e olhando para as tomografias computadorizadas (TAC) dos doentes em estado agudo, não é suposto que os pulmões consigam recuperar totalmente sem ficar com sequelas. Portanto, é muito provável que fiquem com sequelas”, explicou Drummond.
A pneumologista fala apenas numa probabilidade dado o tempo insuficiente de estudo desta nova doença. Tal como esclarece a médica do São João, as projeções dos efeitos deste novo vírus baseiam-se, sobretudo, na comparação com as restantes estirpes de coronavírus que afetam os seres humanos, como a SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave) e MERS (Síndrome Respiratória do Médio Oriente).
Nestas duas epidemias identificadas em 2002 e 2012, respetivamente, os infetados ficaram com mazelas. Dada a sua semelhança com o novo coronavírus (SARS-CoV-2), a pneumologista esclarece que “a probabilidade de estes doentes também ficarem com sequelas é muito grande”.
Que tipo de sequelas?
Nas infeções pela SARS e MERS, cerca de um terço dos pacientes que recuperou apresentava uma perda na função pulmonar após três anos. Nos casos mais graves, os doentes apresentavam fibrose pulmonar, uma doença irreversível consequente de uma patologia pulmonar.
Nestes casos, é descrito que o sistema imunológico, ao tentar combater o vírus, destrói algumas regiões dos pulmões. Ao recuperar, o organismo tenta reconstruir os pulmões, acabando por criar fibroses pulmonares, ou sejas, zonas de cicatrização nas regiões lesadas.
Dado o grau de semelhança do novo coronavírus com estas epidemias anteriores, Drummond explica que é provável que as mazelas sejam idênticas. A confirmação do tipo de sequelas deixadas e a observação se, de facto, há uma perda confirmada na função pulmonar apenas é possível através de provas de função respiratórias às quais os doentes são sujeitos três meses após a infeção.
“Ainda não temos relatos na China quanto a isso, mas dado que as alterações pulmonares são grandes e que provavelmente evoluirão para sequelas, esses doentes certamente terão uma função pulmonar com alterações no sentido da restrição, ou seja, têm menos área pulmonar funcionante e, portanto, a sua capacidade é menor do que seria suposto para a idade e para o género”, afirmou a pneumologista.
“Essas sequelas não serão recuperáveis”, sublinhou Drummond, ressalvando que o grau de afetação vai depender da gravidade da pneumonia. “Quanto maior a área pulmonar afetada, maior é a possibilidade de, de facto, virmos a ter alterações restritivas a nível pulmonar”, esclareceu a professora da FMUP.
“Quando são pneumonias menos exuberantes e que ocupam menos parênquima, a probabilidade de alterações funcionais também é menor. Poderá haver alterações funcionais, mas não são tão exuberantes ou tão marcantes”, explica Drummond.
Como são tratados os doentes?
Pela inexistência de uma vacina até ao momento, o modo de procedimento atual consiste em dar suporte aos doentes para que não sofram de insuficiência respiratória e ganhem tempo até o seu sistema imunitário consiga vencer a infeção.
Esse suporte passa pela administração de oxigénio, através da oxigenoterapia, um tratamento utilizado para compensar uma carência de oxigénio, ou fluidoterapia, que compreende a hidratação dos doentes através da administração de líquidos pela via oral.
No caso de o doente evoluir para insuficiência respiratória, pode então necessitar de suporte ventilativo através de ventilação não invasiva (com recurso a máscara), ventilação invasiva (através da entubação endotraqueal) ou mesmo ECMO(oxigenação por membrana extracorpórea), uma técnica usada para fornecer suporte de oxigénio para o coração e pulmões com a oxigenação extracorporal do sangue.
Neste âmbito, a médica do Hospital de São João alerta para um dilema: “Temos estas formas todas, o problema é que de facto todos estes tratamentos de suporte implicam internamento, alguns deles nos cuidados intensivos e as camas nestes cuidados não são infinitas”.
“O problema de gerir uma pandemia desta magnitude é garantir que haja, ao mesmo tempo, um número de doentes que não seja superior àquilo que é a nossa capacidade de tratar. Porque se o número de doentes for superior à nossa capacidade de internamento, aí entramos em falência do sistema de saúde, como aconteceu em Itália e Espanha e que não é de todo desejável”, asseverou Drummond.
Uso de hidroxicloroquina com bons resultados
Para além destes suportes de ventilação, a pneumologista sublinha que os doentes com Covid-19 estão também a ser medicados. A hidroxicloroquina, por exemplo, é um dos fármacos que está a ser administrado a todos os doentes internados e tem tido resultados positivos.
“É usado no tratamento da malária e tem dado bons resultados também em relação à Covid-19. Não é um tratamento da causa, que isso ainda não existe, mas diminui a resposta inflamatória ao vírus e, portanto, diminui o dano pulmonar”, explica Drummond.
Este medicamento passou a ser administrado a todos os doentes internados em Portugal com Covid-19 depois de ter sido observado o seu bom resultado nos países também afetados pela pandemia.
“Tendo em conta o que foi descrito na China e depois foi verificado em Itália e Espanha, de facto estes doentes beneficiaram e, portanto, tiveram melhor prognóstico. Foi por isso que se passou a usar indiscriminadamente em todos os doentes internados em Portugal”, explicou a pneumologista.
O combate à Covid-19 só é, no entanto, possível através de uma vacina. Os estudos na procura desta vacina já começaram e a previsão da data em que estará disponível parece não ser consensual. Sabe-se, no entanto, que não será para breve e as projeções mais otimistas apontam para a segunda metade de 2021.
Em Portugal, a Covid-19 já infetou mais de 21 mil pessoas e fez 762 vítimas mortais. Em todo o mundo, os infetados são já perto de 2,5 milhões e o número de mortos supera os 171 mil. Há ainda a registar mais de quatro milhões de recuperados.
RTP, emissora pública de Portugal