• Diretora-geral de saúde pública de Madrid demite-se por “não prevalecerem critérios de saúde” para desconfinamento

    Publicado em 8.05.2020 às 08:45

    O pedido de Madrid de passar à primeira fase de reversão do confinamento gerou um tsunami na política interna do governo regional. Na carta de demissão, a diretora-geral de saúde pública da Comunidade de Madrid, Yolanda Fuentes, diz que prevaleceram outras questões económicas e políticas. A demissão de Yolanda Fuentes, reconhecida pela sua ética profissional, surgiu ontem em protesto contra a decisão de pedir ao governo central a inclusão da região de Madrid na primeira fase de desconfinamento. Na carta de demissão enviada ao responsável regional de saúde, Enrique Ruiz Escudero, divulgada esta sexta-feira pela Servimedia, Fuentes diz que a decisão do executivo regional “não foi baseada em critérios de saúde” e imperaram outras questões “políticas e económicas”. 

    Yolanda Fuentes considera que Madrid não cumpre os indicadores epidemiológicos e assistenciais necessários para uma diminuição das limitações do estado de alarme. Garante que o seu compromisso público a impede de estar de acordo com o pedido feito para iniciar a fase 1 de desconfinamento em Madrid, dizendo que os critérios de saúde deveriam imperar sobre questões políticas e económicos. Por isso, Fuentes considera não ter “outra opção” a não ser apresentar a demissão. 

    Fuentes era a encarregada de gerir a crise em Madrid, a autoridade máxima neste âmbito.O pedido para integrar a fase 1 de diminuição das restrições seguiu para o Governo central em cima do prazo, já depois das 22h00, sem o aval de Fuentes.
    O Ministério da Saúde regional alega que o pedido “não tem de ser assinado. É um documento com indicadores, com espaços para preencher. Quem o entrega é o Ministério”.
    Madrid tem-se revelado ser o epicentro da pandemia em Espanha, com mais de 67 mil casos e mais de 15.000 mortos em todo o país. Em Madrid, há 63.870 casos e 8.504 mortos.
    Yolanda Fuentes foi diretora médica do Hospital Carlos III durante quatro anos e subdiretora do hospital La Paz durante três anos e é reconhecida entre os pares como detentora de uma forte ética profissional. Foi a primeira a ordenar, a 7 de março, uma semana antes do estado de alarme, a tomar medidas em hospitais e lares perante o “risco iminente” devido à covid-19.
    De acordo com fontes do Governo regional citadas pelo El Mundoas tensões no Ministério mais importante do combate à pandemia eram muitas, e esta demissão veio apenas expor essas tensões à luz do dia

    A renúncia de Fuentes não impediu que a Comunidade de Madrid pedisse ao Governo central a mudança de fase, por considerar que estão reunidos os requisitos de descida “sustentada” de contágios e de pacientes hospitalizados, assim com a existência de capacidade assistencial suficiente para uma eventual segunda vaga, segundo detalhou o responsável da pasta, Enrique Ruiz Escudero. 

    No pedido, o organismo de Saúde diz que a rede de hospitais registou uma descida de 84% quanto ao número de hospitalizados e menos 64% nos doentes em cuidados intensivos. O pico da epidemia deverá ter acontecido entre 31 de março e 1 de abril. 

    Num vídeo divulgado esta quinta-feira à noite, Escudero assegurou que a região cumpre os dados quantitativos para avançar com o pedido e poder “enfrentar o horizonte com capacidade assistencial e com uma rede de controlo e vigilância epidemiológica que permite fazer o seguimento de novos casos”. No entanto, não adianta mais dados sobre o funcionamento dessa rede ou que recursos terá à disposição. 

    O ministro “agradece” o trabalho de Fuentes e termina o vídeo a pedir colaboração e prudência aos cidadãos. “Esta crise parte dessa responsabilidade a nível individual”, garantindo que o pedido para avançar para a nova fase foi feito com a “máxima prudência”

    Na terça-feira, a presidente do Governo regional anunciou que se alargariam até dezembro os mais de 8.000 contratos de reforço na luta contra a covid-19, mas não formalizou essa ideia. Diz o El Pais que os cuidados primários, que têm de suportar o seguimento de casos de alta, realização de testes massivos, além da atividade habitual, não foi reforçada e enfrenta uma carga extra de trabalho com anos de perdas por parte do executivo regional. 

    Agora, a decisão sobre se Madrid e as restantes comunidades entram na nova fase é do Ministério da Saúde central, que divulgará entre sexta-feira e sábado que regiões vão entrar na segunda feira na nova etapa. 
    Tensão no Governo regional
    O pedido de Madrid para passar à próxima fase não foi pacífico no seio do Governo regional de Madrid, tal como tem acontecido nas últimas semanas, com desacordos constantes e públicos entre o PP e o Ciudadanos, com declarações contraditórias entre membros do executivo. 

    A questão dos lares foi uma delas, culminando com a mudança do ministério encarregado das questões com estas unidades. Agora, o desconfinamento. 

    O Ciudadanos defendeu esta semana a integração na fase 1 de saída do confinamento. A presidente Isabel Díaz Ayuso não partilhava dessa visão sem dúvidas

    “Não quero ter pressa de aceder a nada”, disse, perante a convicção expressa no Twitter pelo vice-presidente e parceiro do Governo, Ignacio Aguado: “Estamos prontos”. Essa diferença de opinião terminou em 48 horas e se materializou há algumas horas com o envio dos documentos técnicos ao Ministério da Saúde.

    Na quarta-feira de manhã a presidente do Governo terá abandonado o Conselho de Ministros em que essa decisão deveria ter sido tomada, para estar presente num hospital para um minuto de silêncio. Depois disso, houve ministros a abandonar também a reunião na sequência da discussão sobre o pedido, diz o El Mundo, citando várias fontes. A reunião foi retomada às 18h00, para decidirem então o pedido para entrarem na nova fase. 

    Yolanda Funtes deixou o executivo pouco antes de Isabel Díaz Ayuso anunciar a nomeação para o novo cargo de vice-ministro de saúde pública e coordenador do plano covid-19 Antonio Zapatero, que tinha sido já o diretor do hospital de campanha de Ifema e é diretor do hospital de Fuenlabrada. Será ele a assumir as funções de Fuentes.
    “Quero os melhores à frente da crise”, afirmou a presidente.