• Com constitucionalidade questionada, PEC Emergencial é prioridade do governo

    Publicado em 4.02.2020 às 23:28

    Na abertura dos trabalhos legislativos na segunda-feira (3), o presidente Jair Bolsonaro manifestou, na mensagem enviada ao Congresso, que o governo espera que as propostas de emenda à Constituição que integram do Plano Mais Brasil — a PEC Emergencial (186/2019), a PEC dos Fundos Públicos (187/2019) e a PEC do Pacto Federativo (188/2019) — sejam aprovadas rapidamente pela Câmara e pelo Senado.

    O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), já afirmou em mais de uma ocasião que o governo deseja que as propostas sejam aprovadas ainda no primeiro semestre.

    — O governo está muito animando, pois tem uma pauta extensa. A gente precisa dar sequência à agenda de reformas que foi iniciada no ano passado. A prioridade do governo são as duas reformas: reforma tributária e reforma administrativa. [Também] a aprovação das três PECs: a PEC do Pacto Federativo, a PEC dos Fundos Públicos e a PEC da Emergência Fiscal, no sentido de conter o gasto público.

    Entretanto, o senador Humberto Costa (PT-PE), membro da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), afirma que as três PECs, especialmente a PEC 186/2019, por conter dispositivos que podem ser declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF), devem ser alvo de debates mais aprofundados. Para ele, o ideal seria aguardar o final da votação no STF que, em 2 de abril, vai analisar se dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de 2000), que prevê a redução de jornada e de salário, é constitucional. A ADI mais antiga sobre esse assunto foi apresentada em 2000 pelo PCdoB. Desde então a possibilidade de redução está suspensa aguardando decisão do Supremo.

    — Essa PEC permite a redução de jornada e salários de servidores públicos, o que é claramente inconstitucional. Além disso, estamos num momento em que constatamos a necessidade de servidores na área da saúde, na própria área de Previdência Social, onde temos quase 1,6 milhão de processos de direitos parados por falta de pessoal para examiná-los. E estamos, desde 2019, quando o governo apresentou as suas PECs, pedindo que sejam realizadas audiências públicas para ouvir não somente membros do governo favoráveis, mas também especialistas e juristas que nos falem sobre as consequências de uma aprovação do jeito que estão.

    A PEC Emergencial

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    A PEC 186/2019 foi apresentada pelos senadores da base do governo, junto com as outras duas que compõem o Plano Mais Brasil, com base no texto elaborado pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes.

    A proposta foi enviada à CCJ, onde o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) foi indicado como relator. O corte de gastos com pessoal da administração pública pode, pela PEC, ser feito por meio de suspensão de admissão e concursos, de redução de jornada, de redução de vencimentos e de demissão de servidores não estáveis.

    Um dos pontos polêmicos é a possibilidade de os efeitos das determinações da PEC retroagir, já que o texto estabelece que, se até 13 meses antes da aprovação de PEC, as operações de crédito ultrapassarem o valor das despesas de capital previsto no Orçamento (o que viola a chamada “regra de ouro” — leia mais abaixo), as medidas de corte de gastos com o funcionalismo já poderiam ser aplicadas no ano de aprovação da medida e pelos próximos dois anos. 

    Segundo Vinicius do Amaral, da Consultoria de Orçamento do Senado Federal, haveria a possibilidade de quando a PEC fosse aprovada, esse limite já ter sido ultrapassado, e a PEC já passaria a valer imediatamente.

    — É o chamado ‘Gatilho Disparado’. Tudo depende se a PEC for aprovada, de sua data de aprovação e dos resultados anteriores. 

    Regra de ouro

    De maneira simplificada, denomina-se “regra de ouro” a proibição que o endividamento (operações de crédito) seja superior às despesas de capital (investimentos e amortização da dívida pública). Tampouco podem ser contraídas novas dívidas para financiar despesas correntes (principalmente com pessoal, aposentadorias e juros da dívida).

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    Ao final de cada ano, o Tesouro Nacional contabiliza e publica o resultado dos valores dos componentes das contas do governo federal que compõem a regra de ouro. Entre 2007 e 2018, a diferença entre as operações de crédito e as despesas de capital flutuaram de R$ 6,04 bilhões (2007) a R$ 286 bilhões (2012).

    Entretanto, em 2019, diante do agravamento do deficit fiscal do governo federal, foi aprovado pelo Congresso o PLN 4/2019 (Lei 13.843, de 2019), que garantiu mais R$ 248,9 bilhões como “ressalva constitucional”. Até dezembro, foram pagos R$ 241 bilhões desse montante, colocando a contabilidade de volta no azul. Sem ela, a regra de ouro estaria violada, com R$ 185,3 bilhões negativos. Somente com o uso da ressalva constitucional da lei, o saldo fica em R$ 55,7 bilhões positivos.

    Por conta dessa diferença de valores, o senador Paulo Paim (PT-RS) vê como muito complicada a aprovação da PEC 186/2019 sem modificações.

    — Os números estão muito conflitantes. E precisam ser muito bem explicados, por isso os pedidos de audiências públicas. Mas o Senado vai acompanhar a decisão do Supremo. Não acredito que os ministros vão mudar seus votos. Eu pessoalmente defendo que a PEC seja rejeitada. Quando o Supremo decidiu favoravelmente às cotas, o Congresso acompanhou. Eu espero o mesmo comportamento.

    Não é essa a visão do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que afirmou, ao sair do Congresso depois da sessão de abertura dos trabalhos legislativos de 2020, que a tramitação das propostas do governo e o envio de novas reformas prosseguirão.

    — Nossa meta é construir um civil service, um serviço civil no padrão inglês. Nós afirmamos que as reformas continuarão. Nós seguimos padrões de governança pública preconizados pela OCDE [Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico], no padrão das 36 maiores economias do mundo. Estamos estabelecendo regras de transparência.

    Fonte: Agência Senado