Trabalho forçado. Multinacionais instadas a cortar laços com fornecedores chineses

Publicado em 23.07.2020 às 08:08

Gigantes multinacionais como a Apple e a Nike enfrentam crescentes pedidos para cortar vínculos com fornecedores chineses onde, alegadamente, a minoria muçulmana uigure é vítima de trabalho forçado. Uma petição foi lançada com o objetivo de consciencializar as marcas a não serem cúmplices dos abusos dos Diretos Humanos “perpetrados pelo Governo chinês”.Ativistas lançaram uma campanha onde acusam fábricas chinesas de “apoiar e beneficiar” da exploração do povo uigure. “O Governo chinês submete os uigures a trabalho forçado. Marcas de moda são cúmplices”, lê-se na página oficial da campanha.

Apelamos às principais marcas e distribuidores para garantir que eles não apoiem ou beneficiem do trabalho forçado generalizado e extensivo da população uigure e de outros povos de maioria turca e muçulmana, perpetrados pelo Governo chinês”, escrevem os ativistas.

A Apple e a Nike já garantiram que estão a investigar as alegações. A gigante Nike afirmou estar a “conduzir diligências contínuas com os nossos fornecedores na China para identificar e avaliar potenciais riscos relacionados ao emprego de uigures ou outras minorias étnicas”.

A empresa disse que não obtém materiais diretamente de Xinjiang, a região autónoma chinesa que abriga grande parte da população uigure do país.
Já a gigante eletrónica disse não ter encontrado “evidências de trabalho forçado nas linhas de produção da Apple”, mas garantiu que “continuará a monitorizar”. 
Políticos e ativistas defendem que as empresas precisam de tomar medidas concretas se não quiserem ser cúmplices dos abusos dos direitos humanos por parte do executivo chinês.

“As marcas e os distribuidores deveriam ter saído há muito tempo, mas não saíram e é por isso que esta convocação pública é importante e necessária”, disse Chloe Cranston, da Anti-Slavery International, uma das mais de 180 organizações envolvidas na campanha.

“Não se trata apenas de terminar uma parceria com um fornecedor. É realmente sobre adotar uma abordagem generalizada”, acrescentou Cranston. 
Dos “centros de reeducação” ao trabalho forçado
No início do ano, o Instituto Australiano de Políticas Estratégicas (ASPI) publicou um relatório onde dá conta que desde 2017, mais de um milhão de uigures e membros de outras minorias muçulmanas “desapareceram” para uma vasta rede de “campos de reeducação” na região de Xinjiang, segundo conta o relatório do instituto australiano. “Dentro dos campos, os detidos são submetidos a instrução política, forçados a renunciar à sua religião e cultura e, em alguns casos, supostamente sujeitos a tortura”, relata o relatório

A campanha de “reeducação” parece ter entrado agora na fase seguinte, já que oficiais do executivo chinês alegam que todos os “estagiários se formaram”. 

De acordo com o relatório, pelo menos 80 mil uigures foram transferidos da região de Xinjiang para trabalhar em fábricas em todo o país, muitos deles vindos diretamente destes centros de “reeducação”.

O ASPI identificou 27 fábricas em nove províncias chinesas que utilizam mão-de-obra uigure transferida de Xinjiang desde 2017 com autorização do Governo chinês sob uma política conhecida como “Xinjiang Aid”. 

Sob condições que a ASPI descreve que “sugerem fortemente trabalho forçado”, estes uigures estão a trabalhar em fábricas que fazem parte de cadeias de fornecimento de pelo menos 83 multinacionais nos setores da tecnologia, vestuário e automóvel, incluindo a Apple, BMW, Gap, Huawei, Nike, Samsung, Sony e Volkswagen. 

O relatório intitulado “Uigures à venda” descreve que a população desta minoria muçulmana, a trabalhar longe de casa, vive geralmente em dormitórios segregados, são obrigados a frequentar aulas de mandarim e de formação ideológica fora do horário de trabalho, estão sujeitos a uma vigilância constante e são proibidos de cumprir as suas práticas religiosas.

Há indícios de que as autoridades locais e intermediários privados estejam a ser “pagos por cabeça” pelo Governo da província de Xinjiang para organizar as tarefas. 

A China, por sua vez, rejeita as alegações acerca dos campos de “reeducação”, considerando-as “falsas” e descreve os seus programas como uma “formação vocacional” e preparação para o trabalho e educação. 
O deve e está a ser feito?
Segundo defende o ASPI, as 83 empresas listadas no relatório “devem realizar uma auditoria imediata e completa dos direitos humanos nas suas fábricas na China, incluindo auditorias e inspeções robustas e independentes”.

“Governos estrangeiros, empresas e grupos da sociedade civil devem identificar oportunidades para aumentar a pressão sobre o Governo chinês para acabar com o uso de trabalho forçado uigure e detenções extrajudiciais”, acrescenta o relatório.

À BBC, Omer Kanat, diretor executivo do Uyghur Human Rights Project, afirmou que fazer com que as empresas desviem os negócios de Xinjiang é fundamental para convencer o executivo chinês a mudar as suas políticas. 

“Até agora, existiram condenações sobre o que o Governo chinês tem vindo a fazer, mas ainda não foi tomada nenhuma medida”, asseverou Kanat. “O Governo chinês não fará nada a não ser que haja alguns impactos reais”, acrescentou.

O apelo ocorre numa altura em que os EUA aumentaram a pressão económica, alertando as empresas contra os negócios em Xinjiang. Ainda este mês, os EUA sancionaram autoridades chinesas que supervisionavam a região.

Para além disso, os deputados do Congresso dos EUA estão a considerar a imposição de uma legislação que proíba explicitamente as importações de Xinjiang, enquanto políticos norte-americanos e europeus também ameaçam impor uma legislação que forçará as empresas a monitorizar o assunto mais de perto.

RTP, emissora pública de Portugal