Covid-19: Governo venezuelano recusa aumentar a testagem
Na Venezuela, a confirmação dos casos confirmados de infecção por Covid-19 está dependente de apenas um centro de testagem em Caracas, o que obriga um paciente a esperar até várias semanas pelo resultado do teste. O Governo de Nicolás Maduro recusa-se a autorizar laboratórios e universidades particulares a realizar testes. Nas últimas 24 horas, a Venezuela registrou o maior aumento diário de novos casos desde que a pandemia chegou ao país, com 650 pessoas infectadas num só dia. No entanto, o número poderá não espelhar a realidade, dada a insuficiente capacidade de testagem do país.
Um único centro de testagem na capital venezuelana é responsável pelo diagnóstico de infecção por Covid-19 no país. Mesmo com um aumento de 30 por cento de casos positivos nas últimas cinco semanas, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, não concede autorização a laboratórios privados e instituições académicas para realizar testes. Desde o início da pandemia, a Venezuela contabilizou mais de 14 mil infecções por Covid-19 e 134 mortes, números que estão muito longe do cenário que é observado na América Latina, nomeadamente nos países vizinhos Brasil e Colômbia, que registam mais de dois milhões e 200 mil casos, respetivamente.
Especialistas defendem, por isso, que o registro oficial não reflete o real avanço da pandemia no território e condenam a falta de transparência nos dados, dificultando o trabalho dos profissionais na localização e combate de cadeias de transmissão. No país, o número de testes realizados não é conhecido, nem é possível calcular a taxa de positivos, indicadores que são cruciais para acompanhar o comportamento da pandemia no país. Apesar disso, o Governo de Maduro insiste em anunciar que a Venezuela é o país que mais testes realiza na região. Na terça-feira, o Governo reportou que foram realizados 1.440.000 testes em 19 semanas.
Devido a esta insuficiência de postos de testagem, o processo até que uma amostra de um potencial paciente com Covid-19 obtenha um resultado que confirme ou descarte a infeção é bastante longo. Se o paciente for residente no oeste do país, a amostra tem de viajar 697 quilómetros por terra ou uma hora de avião para ser analisada.
“Primeiro enviamos um registo epidemiológico [um formulário em papel] para o distrito de saúde do Ministério da Saúde. Eles obtém a amostra no mesmo dia ou no dia seguinte à notificação e esta é enviada ao Instituto Nacional de Higiene”, explica o médico de medicina infecciosa, Julio Castro, membro da Comissão Especial para a Covid-19 criado pela Assembleia Nacional.
Na melhor das hipóteses, o resultado da amostra é comunicado uma semana depois. “Sete, oito, nove dias é o tempo habitual. Mas já tivemos pacientes que eram coronéis e aí demorou menos”, disse Julio Castro a El País. No interior do país, os pacientes têm de esperar várias semanas pelo resultado.
Mais despesas e sobrecarga para um sistema de saúde precário
O médico infecciologista sublinha que o atraso nos resultados tem implicações diretas para os pacientes: “Pode-se atender à condição do paciente com medicamentos básicos, mas se for necessário aplicar o protocolo de medicamentos que foi estabelecido pelo Ministério, é preciso esperar até que se receba o teste positivo”.
Para além disso, o especialista destaca que a falta de centros de testagem gera mais despesas hospitalares e revela-se numa sobrecarga para um sistema de saúde que já é, por si só, precário. “O protocolo do Ministério da Saúde indica que é necessário um teste negativo para que um paciente obtenha alta, antes eram dois. Um paciente tem que esperar um resultado outros oito dias numa capa que poderia estar a ser usada por outro”, denuncia Julio Castro. Já existem relatos de hospitais e clínicas privadas em Caracas que atingiram a sua capacidade de internamento.
No início da pandemia, os especialistas que integram a comissão da Assembleia Nacional, anunciaram que existiam oito centros com equipamentos e profissionais especializadas para processar os testes e Castro acrescenta que pelo menos dez clínicas privadas e dois hospitais têm aparelhos que permitem análises rápidas destes testes. De acordo com El País, este inventário foi discutido numa reunião entre o Ministério da Saúde e a Assembleia Nacional, mas nada mudou.
A Universidade de Los Andes (ULA) ofereceu-se para processar as amostras da região onde se localiza, mas não recebeu autorização por parte do Governo nem material necessário. “Desde março, tivemos várias reuniões com autoridades de um lado e de outro e por alguma razão, nada acontece”, declara ao jornal espanhol o virologista José Andrés Mendoza.
“Na Alemanha, assim que a pandemia começou, as universidades uniram-se para realizar testes. Atualmente, na Argentina, existem 15 centros académicos em funcionamento. Na Venezuela há pelo menos quatro laboratórios académicos que poderiam ajudar”, aponta Mendoza. “Ao levar amostras para Caracas perde-se tempo valioso para agir”, acrescenta o virologista.
Na terça-feira, Maduro anunciou que o Laboratório de Microbiologia do Instituto Venezuelano de Pesquisa Científica se irá juntar ao diagnóstico da Covid-19. Com este centro, também localizado em Caracas, juntamente com uma pequena unidade móvel instalada no Estado fronteiriço de Táchira, o país teria três laboratórios disponíveis para a confirmação de casos.
Os especialistas defendem, porém, que essa ampliação no diagnóstico ainda é insuficiente quando o número de novas infeções cresce em mil a cada dois dias.
RTP, emissora pública de Portugal