• Dia da Consciência Negra: estatísticas e conquistas no Legislativo

    Publicado em 20.11.2020 às 13:40

    Apesar das várias conquistas dos negros ao longo da história, o preconceito racial ainda se traduz de várias formas na sociedade, seja nas relações de trabalho ou no convívio social. Com o intuito de estimular a reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira foi criado, em 2003, o Dia Nacional da Consciência Negra, que é celebrado em 20 de novembro. 

    Inicialmente, a data foi incluída como fato importante no calendário escolar até ser instituída oficialmente em todo o Brasil com a Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, sendo feriado em alguns municípios e estados como Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio de Janeiro. Em Goiás, a data é celebrada, mas não foi decretado feriado estadual.

    O dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, foi escolhido para as celebrações da Consciência Negra para homenagear o líder negro que lutou pela libertação dos escravos. Trata-se de um reconhecimento dos descendentes africanos que contribuíram para o desenvolvimento do Brasil. A data levanta o debate sobre igualdade e inclusão social, racismo e discriminação e é reservada à promoção de atividades que valorizem a cultura africana.

    Números da desigualdade

    De acordo com levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base nos dados da Pnad Contínua de 2019, a porcentagem dos que se declaram negros no Brasil é de 56,10%. Dos 209,2 milhões de habitantes do País, 19,2 milhões se assumem como pretos, enquanto 89,7 milhões se declaram pardos. Os negros — que o IBGE conceitua como a soma de pretos e pardos — são, portanto, a maioria da população.

    Os negros estão mais vulneráveis à extrema pobreza, sendo as maiores vítimas da desocupação e da informalidade. A taxa de desocupação das pessoas em idade de trabalhar foi de 9,3% para brancos, enquanto entre pretos e pardos, chegou aos 13,6%. Em relação à taxa de trabalhadores informais, que não possuíam proteção trabalhista, foi de 47,4%. Por outro lado, entre brancos, a taxa atingiu 34,5% da força de trabalho.

    Em 2019, brancos ganhavam, em média, 73,4% a mais do que pretos e pardos. Enquanto brancos tiveram uma renda média de R$ 2.884, pretos e pardos chegaram apenas a R$ 1.663 no mesmo período.

    A conclusão mais preocupante em relação aos dados que chegaram recentemente sobre a população negra é a confirmação de que os afrodescendentes são as maiores vítimas de homicídios no Brasil. Conforme divulgou o Atlas da Violência, em 2017, 75,5% das pessoas assassinadas no País eram pretas e  pardas – num total de 49.524 vítimas. Um jovem negro tem 2,5% mais chance de ser assassinado do que um jovem branco.

    De 2007 a 2017, o Brasil se tornou um país com mais potencial de morte para negros do que para brancos. A taxa de homicídios de negros cresceu 33,1% no período, enquanto a de brancos aumentou 3,3%. A conclusão é que os negros são os que mais morrem e também são a população em que a taxa de mortes violentas mais avança.

    Dentro das ações de agentes de segurança estatais, pessoas negras também são maioria dos que perdem a vida. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2019, apontam que 74,5% das pessoas assassinadas em intervenção policial são pretas ou pardas. 

    Conquistas legislativas em Goiás

    No estado de Goiás, a comunidade afrodescendente já foi contemplada com várias políticas públicas voltadas para a sua valorização, inclusão social e combate à discriminação, através da secretaria de Estado responsável pela área social em governos recentes. 

    Ademais, tem que se destacar a sanção de leis que representaram marcos na luta contra o preconceito racial dentro do território goiano. Todas essas iniciativas, seja por parte do chefe do Poder Executivo ou de deputados estaduais, passaram pela Assembleia Legislativa, que continua, a cada Legislatura, tentando aprimorar a legislação existente ou propor novas leis que contribuam para garantir a dignidade das pessoas negras.

    A Lei nº 16.239, de 18 de abril de 2008, sancionada pelo então governador Alcides Rodrigues, veio para instituir, no calendário cívico cultural do estado de Goiás, o Dia Estadual da Consciência Negra, a ser comemorado em 20 de novembro, como em nível nacional. Também criou a “Comenda Zumbi dos Palmares”, destinada a agraciar, anualmente, por ocasião das comemorações do Dia Estadual da Consciência Negra, pessoas físicas e jurídicas que se destacaram em ações contra a discriminação racial e quaisquer outras que, de algum modo, tenham contribuído com o estabelecimento da igualdade racial em Goiás. A Secretaria de Políticas para Mulheres e Promoção da Igualdade Racial (Semira) ficou, à época, responsável por apontar os indicados à comenda.

    Em 2010, a Lei 16.239 recebeu o acréscimo de mais um dispositivo que instituiu e outros que regulamentaram a Semana Estadual da Consciência Negra, a ser comemorada, anualmente, na segunda quinzena do mês de novembro. Durante a Semana, deverão ser implementadas ações que visem a divulgação da cultura negra; a origem de seus povos, conflitos, os efeitos da colonização e da independência do continente africano, seus mártires, contribuição na formação e desenvolvimento de nosso País; a situação atual dos povos e seus descendentes na África, no Brasil e no resto do mundo.

    Cotas

    Antes da legislação estadual que institui o Dia da Consciência Negra, foi sancionada, pelo ex-governador Marconi Perillo, a Lei nº n° 14.832, de 12 de julho de 2004, que fixa cotas para o ingresso dos estudantes negros e outros nas instituições de educação superior integrantes do Sistema Estadual de Educação Superior.

    As instituições de educação superior destinarão, para o ingresso nos seus cursos de graduação oferecidos de forma regular, cotas específicas para os seguintes estudantes concluintes do ensino médio e classificados em processo seletivo: oriundos da rede pública de educação básica; negros; indígenas; portadores de deficiências, nos termos do regulamento.

    Em 2018, a legislação de cotas recebeu a adição de mais dispositivos, incluindo o que obriga as instituições estaduais de educação superior a reservar, para os candidatos beneficiários, 50% das vagas, sendo que estudantes negros ficam com a fatia de 20% e estudantes da rede pública de 25%, restando 5% para deficientes e indígenas.

    No dia 15 de outubro de 2020 foi sancionada pelo governador Ronaldo Caiado a Lei nº 20.880, que institui a Política Estadual Emergencial de Enfrentamento à Covid-19, nos Territórios Indígenas e Quilombolas. O projeto que deu origem à legislação foi elaborado pelo presidente da Assembleia Legislativa, deputado Lissauer Vieira (PSB).

    Os quilombolas são os descendentes e remanescentes de comunidades formadas por escravizados fugitivos, chamadas quilombos, entre o século XVI e o ano de 1888, quando houve a abolição da escravatura no Brasil.

    A lei tem como objetivo principal viabilizar, em curto prazo e em caráter de urgência, medidas que garantam condições de higiene para a prevenção ao vírus, bem como o acesso ao atendimento de saúde adequado aos povos tradicionais.

    “Sabemos que é latente que as comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas, são as mais vulneráveis nesse momento de pandemia que todos nós estamos enfrentando. Por isso, sinto-me imbuído da missão de buscar soluções e a defesa de seus interesses, aliados também com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030. Queremos, com esse projeto, garantir a todas essas comunidades, de forma urgente, a assistência médica, além de fornecer a elas todas as medidas necessárias voltadas para a prevenção ao novo coronavírus. Sem dúvidas, uma ação extremamente importante nesse momento”, justificou Lissauer.

    O presidente da Alego explicou, ainda, que os povos indígenas e quilombolas são considerados grupo de extrema vulnerabilidade em situações de emergências, como pandemias e epidemias, que exigem isolamento temporário e acesso a recursos hospitalares especializados. Segundo ele, todas as medidas preventivas adotadas pelos governos e autoridades de saúde para o controle da doença nos centros urbanos precisam alcançar também a população dessas comunidades afastadas.

    Iniciativas em andamento no Parlamento estadual

    A Assembleia Legislativa do Estado de Goiás vem contribuindo de forma muito profícua para a luta dos negros por mais inclusão e respeito da sociedade. Atualmente, várias proposições tramitam na Casa de Leis com muito potencial de aprovação definitiva pelo Plenário e posterior sanção do governador. Inclusive, a Alego promove parcerias de seus pesquisadores legislativos com a comunidade acadêmica, buscando pesquisas para embasar a elaboração de projetos de lei dos parlamentares estaduais.

    É o caso da pesquisa sobre o cabelo crespo, a transição capilar, o racismo e a identidade negra da professora e colaboradora da Casa Sara França Eugênia. Ela é graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), com MBA em administração e negócios jurídicos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), e membro participante do Grupo de Estudos em Direitos Humanos cadastrado no Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) como atividade do grupo de pesquisa Memória, Cidadania e Direitos Humanos da Universidade Federal de Goiás. É, ainda, especialista em direitos humanos, cultura e democracia pela UFG; mestranda em direitos humanos pela UFG, e membro do Coletivo Rosa Parks.

    A pesquisadora explicou que, com as informações levantadas, decidiu buscar o apoio no Parlamento estadual, a fim de que o estudo provocasse impacto efetivo na sociedade. Foi recebida pelo presidente da Casa, deputado Lissauer Vieira (PSB), e pela deputada Delegada Adriana Accorsi (PT). 

    De forma conjunta com a estudiosa, foi então elaborado o projeto de lei em trâmite com o nº 1345/20, que tem como objetivo, atender a necessidade de uma legislação que seja eficiente no que tange à proteção da população negra e de sua liberdade de expressão estética e identitária. “Isso coloca Goiás na vanguarda em relação à consciência sobre o racismo”, acentuou Sara França Eugênia. 

    A proposta, que se encontra na pauta, dispõe sobre penalidades administrativas a serem aplicadas pela prática de atos de discriminação ao cabelo natural da pessoa negra. Estabelece punição administrativa a qualquer instituição, pública ou privada, integrante do sistema de ensino ou do mercado de trabalho, cujo integrante, seja servidor público ou agente privado, impeça o gozo de um direito por motivo de discriminação quanto ao cabelo natural de pessoas negras, independentemente do estilo do corte.

    A prática dos atos discriminatórios por agentes públicos será apurada em processo administrativo, que terá início mediante: reclamação do ofendido ou de seu representante legal, ou, ainda, de qualquer pessoa que tenha ciência do ato discriminatório; ato ou ofício de autoridade competente.

    De acordo com o projeto as sanções aplicáveis aos agentes privados que praticarem atos de discriminação, nos termos dessa proposta, serão na sequência: advertência; multa de até 1 mil Unidades Fiscais de Referência (Ufirs); multa de até 3 mil Ufirs, em caso de reincidência; suspensão da licença estadual para funcionamento por 30 dias; cassação da licença estadual para funcionamento.

    Adriana Accorsi também é autora de outro projeto de lei de similar teor, mas com maior abrangência, que dispõe sobre penalidades administrativas a serem aplicadas pela prática de atos de discriminação racial. De acordo com a propositura, que consta do processo nº 1231/20, será punido, nos termos da legislação apresentada, todo ato discriminatório por motivo de raça ou cor praticado em Goiás por qualquer pessoa, jurídica ou física, inclusive a que exerça função pública. As penalidades administrativas a agentes públicos ou penalidades a proprietários de estabelecimentos comerciais serão as mesmas da legislação que a parlamentar propôs para atos discriminatórios ao cabelo natural da pessoa negra.

    No momento, os dois projetos de lei foram apensados para serem deliberados em conjunto, estão na pauta da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa da Alego e, caso recebam aval do colegiado, serão votados em dois turnos em Plenário.