CPI dos Incentivos Fiscais apresenta relatório final da investigação
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou possíveis irregularidades da concessão de incentivos fiscais no estado de Goiás finalizou suas atividades com a entrega e aprovação do relatório do deputado Humberto Aidar (MDB), na tarde desta terça-feira, 10. Quase um ano depois de ser instaurada, a Comissão chega ao fim com relevantes dados e números acerca de fraudes e desvio de verba pública por meio de venda de crédito outorgado e falta de contrapartida das empresas beneficiadas com incentivos.
Sobre as conclusões da investigação produzidas em 500 páginas, o relator comentou que um estado que considera a entrada no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), definitivamente não pode continuar abrindo mão de R$ 8 bilhões relativos à renúncia fiscal.
Humberto Aidar ressaltou que, conforme reiteradamente exposto desde o início das reuniões, buscou-se, durante estes 12 meses de atividades desta CPI, desenvolver os trabalhos de forma eminentemente técnica, para obter resultados que objetivamente revelem a situação dos incentivos fiscais em nosso estado e propor mudanças para seu aprimoramento. “Agora, na entrega deste relatório, podemos afirmar que esse compromisso foi cumprido”, afirmou.
Por outro lado, acrescentou o parlamentar, este relatório foi elaborado de forma a ser amplamente publicado e também resguardar o alegado sigilo fiscal dos beneficiários, em que pese estarmos convictos de que não há que se falar em qualquer sigilo quanto a benefícios ficais recebidos do Poder Público. Entretanto, ele informou que toda a documentação recebida por esta Comissão permanecerá conservada na Assembleia Legislativa, para que os órgãos competentes, obtida autorização judicial para acesso ao conteúdo sigiloso, se for o caso, obtenham informações detalhadas necessárias para eventual.
“Acusaram a CPI dos Incentivos Fiscais de expulsar e afastar empresas, mas nada disso aconteceu, pelo contrário. Os jornais mostraram o aumento do número de empresas, de arrecadação. São bilhões que foram concedidos e ficou clara a ineficiência na fiscalização. Inicialmente acreditei nas contrapartidas, mas como o trabalho foi minucioso, a gente descobriu lá na frente que entre milhares de empresas, pouco mais de dez eram obrigadas a conceder contrapartida. Aqui no resumo citei um número assustador. Foi fruído R$ 20 bilhões no crédito outorgado, ou seja, montante que o estado deixou de arrecadar. Destes, apenas R$ 320 milhões foram fruídos e comissionados à contrapartida, cerca de 2% apenas. O resto, literalmente, uma benesse”, declarou Humberto, lembrando que ano passado foram aprovadas leis duras que afetaram diretamente o servidor público, e que, com o resultado da CPI, é o momento para os grandes empresários darem sua parcela de contribuição.
Histórico
A CPI realizou 22 reuniões, desde sua instalação em março de 2019, até o mês de dezembro do mesmo ano, durante as quais também foram ouvidos, democraticamente, diversos segmentos econômicos: sucroalcooleiro, industrial, varejista de móveis, fabricação de automóveis, farmacêutico, frigoríficos, laticínios, fabricação de bebidas fabricação de produtos alimentícios e produtores agrícolas. Requisitou informações das 100 empresas que mais receberam incentivos fiscais do Estado de Goiás no período de 2014 a 2018, acerca do cumprimento de eventuais contrapartidas exigidas, as quais apresentaram vasta documentação armazenada na forma de anexos dos autos do processo.
O colegiado, durante o curso dos trabalhos, e a partir dos elementos colhidos das oitivas e da documentação que foi sendo recebida, por intermédio do relator, apresentou diversos projetos de lei visando a corrigir distorções do ordenamento jurídico estadual no tocante a incentivos fiscais, a exemplo das seguintes legislações, todas aprovadas e sancionadas em 2019: Lei nº 20.590 – Grupos Econômicos; Lei nº 20.654 – Revoga leis que autorizam a “venda” de crédito moeda; Lei nº 20.676 – Revisão do benefício de crédito outorgado do setor sucroalcooleiro.
O relator informou que o escopo da CPI foi fazer um levantamento geral da sistemática de concessão e utilização dos incentivos fiscais no estado de Goiás e irregularidades gerais, sem focar em empresas específicas, embora os resultados colhidos ao longo dos trabalhos possam trazer contribuições mais amplas a ensejar investigações mais direcionadas e específicas pelos órgãos competentes.
Conclusões
Sobre a legalidade
Quanto ao princípio da legalidade, específica a essa seara verificou-se que:
– ainda persiste, em pleno ano de 2019, a prática de publicação de diversos decretos autônomos que instituem novas hipóteses de incentivos fiscais sem o necessário respaldo em prévia lei específica, ainda que aprovado no âmbito do Confaz;
– a lei ocupa papel secundário no sistema de concessão desses incentivos fiscais, visto que na grande maioria das vezes assume função meramente autorizativa, de modo que o benefício só é implementado efetivamente a partir de regulamentação levada a efeito pelo Chefe do Poder Executivo, cuja margem de decisão é tão grande ao ponto de, se quiser, nem conceder ou posteriormente revogar o benefício, ainda que vigente a respectiva lei autorizativa;
– existência de decretos que internalizam, sem lei, incentivos fiscais aprovados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz);
– há deficiência no sistema de elaboração e formalização dos Termos de Acordo de Regime Especial, porquanto não passam por prévia análise jurídica da PGE-GO, e são firmados diretamente entre o Secretário de Estado da Fazenda (atual Economia) e os representantes (às vezes até mesmo procuradores/advogados da pessoa jurídica acordante);
Sobre os programas Fomentar e Produzir
O relatório concluiu que resultaram em benefícios socioeconômicos para o estado, como crescimento acima da média nacional da indústria goiana, e o aumento da participação da indústria goiana no Valor da Transformação Industrial brasileiro. Todavia, apresentaram os seguintes excessos/impropriedades que configuram má alocação da política pública e precisam ser corrigidos:
– concessão de altos montantes de benefícios fiscais a empresas que apresentam baixos índices de encadeamento com a economia goiana;
– concessão de altos montantes de benefícios fiscais a empresas que apresentam baixos índices de geração de valor agregado;
– concessão de altos montantes de benefícios fiscais a empresas com baixo fator de multiplicação de empregos, ocasionando um alto “custo do emprego” relacionado aos incentivos fiscais, que chega a valor anual superior, em alguns casos, a R$ 900.000,00. Note-se, ainda, que não houve comprovação científica de que os programas impactam positivamente na geração de empregos.
– não há redução das desigualdades regionais. Pelo contrário, os programas reforçaram as disparidades econômicas do Estado;
– impacto negativo no valor adicionado bruto da indústria goiana;
De acordo com o relatório, houve deficiências na análise prévia dos programas de incentivos fiscais, o que acarreta dispêndio de recursos e esforços estatais para estimular atividades de forma desproporcional aos resultados pretendidos pelo interesse público efetivamente produzidos. o mais claro exemplo são os elevados benefícios fiscais concedidos a setores pouco interessantes para a economia goiana;
Há necessidade, já recomendada há mais de uma década, de adoção de sistema informatizado e integrado de gerenciamento e operacionalização dos programas de incentivos fiscais, permitindo o acompanhamento em tempo real e concomitante por todos os órgãos/entidades envolvidos.
O relatório chegou a outras conclusões quanto aos programas Fomentar e Produzir:
– a falta de transparência desses programas acaba por minar o benefício potencial que tais políticas possam ter para a sociedade;
– estima-se uma média de participação das empresas beneficiadas pelos programas de 14,3% no valor do Produto Interno Bruto (PIB) goiano e de 7,2% nos empregos formais do estado;
– 52,6% dos empregos em estoque dos beneficiários estão nos seguintes setores: setor sucroenergético, abate de suínos e aves, laticínios e medicamentos (basicamente indústria de transformação);
– a maioria do emprego efetivo (53%) ocorre em apenas 3 regiões: Anápolis, Goiânia e Rio Verde;
– o recolhimento das empresas em relação ao faturamento foi, em média, de 2,81%. A menor participação é da atividade de fabricação de automóveis (0,88%), além do destaque positivo das atividades de fabricação de bebidas (11,1%) e eletricidade, gás e outras utilidades com 19,8% (provavelmente porque as alíquotas de ICMS nessas atividades sejam maiores que nas outras);
– os beneficiários, desde 2006, têm uma média de 51,2% das compras feitas fora de Goiás e 48,8% internamente ao estado. Ou seja, a metade das compras tem efeito multiplicador de emprego e renda fora de Goiás. Ainda, em média, 19% das compras são de importações do exterior;
– há divergência quanto à quantidade de empresas nos programas de incentivos que constam nos dados da Secretaria de Economia e Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Serviços;
– o investimento projetado das empresas auditadas está muito longe do valor total projetado das empresas em fruição (R$ 9,5 de R$ 82 bilhões);
– dos R$ 9,5 bilhões de investimentos auditados, apenas R$ 5,7 bilhões foram comprovados;
– o valor da quitação não segue um padrão de cálculo nas planilhas da Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Serviços;
– de modo geral, a projeção de ICMS a ser gerado é muito superior ao efetivamente realizado;
Sobre créditos outorgados
De acordo com o esclarecimento do relatório, o crédito outorgado não se confunde com o crédito natural de ICMS, visto que este decorre da própria sistemática da não cumulatividade do imposto e é direito constitucional do contribuinte, ao passo que aquele consiste numa ficção jurídica criada por lei, embora autorizada pelo sistema constitucional vigente, mas que pode ocasionar distorções no sistema tributário a depender da respectiva moldura legal que envolve essa espécie de benefício. O crédito outorgado é a espécie de incentivo fiscal mais representativa no volume de renúncia de receitas estaduais, segundo dados da própria Secretaria de Estado da Economia e projeções contidas nas leis de diretrizes orçamentárias e leis orçamentárias anuais publicadas a partir de 2017, o que corresponde a um total de cerca de 50% da renúncia anual de receitas.
Não obstante ser a espécie de incentivo fiscal mais representativa quanto ao volume de renúncia de receitas, são significativamente reduzidas as hipóteses de fruição de crédito outorgado condicionadas a contrapartidas econômicas e sociais por força da lei instituidora do benefício, o que correspondeu, segundo a Secretaria de Estado da Economia, no período de 2014 a 2018, a:
– de um total de mais de R$ 20.000.000.000,00, apenas cerca de R$ 320.000.000,00 (trezentos e vinte milhões) foram fruídos condicionados a contrapartidas, isto é, apenas cerca de 2% (dois por cento) do total de créditos outorgados fruídos no período;
– em valores anuais, temos uma média de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais) de créditos outorgados por ano, sendo que, destes, apenas R$ 65.000.000,00 (sessenta e cinco milhões) em média foram condicionados a contrapartidas;
“Dentro desse reduzidíssimo universo de créditos outorgados sujeitos a contrapartidas, verificaram-se diversas falhas graves na fiscalização a recomendar fortemente a realização de auditorias externas”, diz o relatório.
Recomendações
O relatório do Comissão Parlamentar de Inquérito fez uma série de recomendações destinadas aos Poderes Executivo e Legislativo e ao Ministério Público, especialmente, que deve produzir os resultados jurídicos das investigações do colegiado. Ao MP recomendou a instauração de inquéritos civis públicos para apurar:
– eventual responsabilidade dos gestores dos Programas Fomentar e Produzir no período objeto de apuração (2014 a 2018), tendo em vista a reiterada omissão na verificação dos requisitos constitucionais e legais desses programas, como a regularidade do pagamento da antecipação de ICMS, regularidade fiscal estadual (agravada pela Resolução nº 043/2016), previdenciária, ambiental e social, nos termos do capítulo 8 deste relatório;
– eventual infringência do inciso IV do art. 2º da Lei n. 8.137/1990, por não aplicação adequada dos recursos oriundos de incentivo fiscal no âmbito dos Programas Fomentar e Produzir, conforme achado de auditoria da Controladoria-Geral do Estado, nos termos do item 6.2.2.6 deste relatório;
– a real situação econômica das empresas mencionadas no item 9.2 deste relatório e respectivos sócios, em especial daquelas cujo custo anual médio por emprego ultrapassou R$ 1.000.000,00, mediante requisição judicial da respectiva quebra de sigilo fiscal e bancário, além dos TARE’s e projetos eventualmente apresentados/formalizados, tendo em vista o elevado custo anual para cada emprego registrado no CNPJ dessas pessoas jurídicas, portanto, com indícios de aplicação indevida dos recursos oriundos de incentivos fiscais e grave prejuízo ao erário estadual;
– fruição de incentivos fiscais sem que a Secretaria de Estado da Economia informasse a esta CPI a norma legal ou regulamentar autorizativa, com requisição de todos os TARE’s correspondentes e demais informações pertinentes da Secretaria de Estado da Economia em relação a essas empresas, nos termos do item 9.3 deste relatório;
E, ainda, recomenda ajuizar ações judiciais de obrigação de fazer em face do Estado de Goiás, com pedido de tutela de urgência, visando a determinar ao Poder Executivo:
– compartilhamento de informações detalhadas e individuais referentes a incentivos fiscais concedidos e fruídos no Estado de Goiás com a CGE/GO, o TCE/GO e ao próprio Ministério Público, quando aqueles órgãos as requisitarem no interesse da fiscalização, sem oposição do
– óbice do sigilo fiscal, obedecido, se for o caso, o disposto no art. 198, § 2º, do Código Tributário Nacional;
– publicação, no Portal da Transparência, do inteiro teor de todos os TARE’s e instrumentos congêneres.
Por fim, o relatório acrescenta que em eventual ajuizamento de ações de natureza coletiva por infração ambiental, contra empresas beneficiárias de incentivos fiscais, requerer judicialmente a perda ou a suspensão do recebimento dos benefícios eventualmente fruídos no período durante o qual perdurou a irregularidade, inclusive mediante requisição formal no processo de informações detalhadas sobre incentivos fiscais concedidos e fruídos em favor da pessoa acionada, se houver negativa na esfera administrativa.Agência Assembleia de Notícias