Mutações do novo coronavírus são mais infecciosas?

Publicado em 19.07.2020 às 08:15

Não há certezas nem dados que provem que o SARS-CoV-2 se tenha tornado mais transmissível ou mortal. O facto é que o coronavírus que apareceu na China em dezembro de 2019 não é bem o mesmo que está, neste momento, a infectar cada vez mais pessoas no mundo.Ao longo dos úlitmos meses, com a evolução da pandemia, os investigadores foram identificando estirpes diferentes e muitas das mutações que o novo coronavírus tem sofrido. Mas estudos recentes indicam que há uma mutação que tem prevalecido e dominado o mundo por ser, talvez, mais transmissível. 

“Uma variante SARS-CoV-2, portadora da alteração de aminoácido da proteína Spike D614G, tornou-se a forma mais prevalente na pandemia global”, lê-se no estudo publicado na prestigiada revista científica Cell.
No início de março, segundo o estudo, esta estirpe representava apenas dez por cento das amostras de doentes Covid-19, em todo o mundo. Mas em maio, já se observava uma predominância global, sendo identificada em 78 por cento dos casos de infecção. 

Esta mutação D614G – situada na proteína “spike” (o espinho ou gancho) do vírus – apareceu algum tempo após o surto inicial de Wuhan, e provavelmente em Itália. Atualmente, 97 por cento das infeções estão a ser provocadas por esta mutação, a nível global.
Segundo os especialistas, esta mutação no “gancho”, que o coronavírus usa para invadir as células humanas, poderia ser uma estirpe com uma capacidade melhor para entrar no corpo do hospedeiro e se reproduzir – por isso é que se supõe que seja mais transmissível que outras mutações do SARS-Cov-2.
As mutações mais não são do que “um subproduto da replicação do vírus”, disse à BBC Lucy van Dorp, da University College London.

A mutação que surgiu pode ter-se espalhado muito apenas porque aconteceu no início do surto e foi fácil propagar-se, tipo “efeito fundador”. Por isso é que esta mutação pode ser a mais comum, explicou Van Dorp.
Muitas das mutações podem não conferir vantagens ao vírus, mas são transmitidas até serem comuns na população – a isso se chama de “efeito fundador”. Ou seja, não significa que sejam obrigatoriamente mais transmissíveis, mas que são mais comuns na população infetada.
Comunidade científica debate potencial infeccioso da mutação
Nas investigações laboratoriais, esta mutação destacou-se, efetivamente, pela integração nas células humanas, comparando a outras estirpes, explicaram também Hyeryun Choe e Michael Farzan, da Universidade Scripps, na Flórida. 

Alterações na proteína “spike” que o vírus usa para se prender às células humanas parecem permitir que “se unam melhor e funcionem com mais eficiência”.

No entanto, mantém-se uma dúvida entre a comunidade científica: é de facto, esta mutação, mais contagiosa que as até agora conhecidas?
“Não há evidências para isso”, disse Vincent Racaniello , virologista da Universidade de Columbia, à National Geographic.

Segundo o cientista, para provar que é mais infecciosos seria necessário comprovar o comportamento da mutação do vírus no corpo humano e não apenas laboratorialmente.
Van Dorp também admitiu que “não está claro” se a mutação D614G é mais transmissível e infecciosa que outras no corpo humano, mas as investigações levam a crer que o vírus tem melhorado a sua capacidade de se agregar às células do hospedeiro e de se reproduzir.
Há ainda outros dois estudos que sugerem que pacientes infetados com esta mutação do sars-cov-2 têm quantidades virais maiores, o que pode indicar que são mais infecciosos e podem transmitir mais facilmente aos outros.

Contudo, não há evidências de que, apesar da carga viral ser superior a outras mutações, os doentes tenham sintomas mais graves. Pode ser mais transmissível mas não obrigatoriamente mais mortal do que a primeira estirpe do novo coronavírus identificada na China.
Os investigadores não conseguem chegar a acordo quanto à capacidade de transmissão desta mutação. Mas uma coisa têm a certeza: no início da pandemia circulava a “versão original” do vírus e, ao mesmo tempo, a mutação D614G que acabou por se tornar predominante na população global infetada. Aliás, a pandemia atualmente é a mutação D614G do SARS-Cov-2.